O corporativismo da OAB frente à miséria do ensino jurídico


Por Alailson Muniz*
A Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará – Campus de Santarém foi criada recentemente, precisamente em 1994 sobre muito esforço do professor Evandro Diniz. O curso é de fundamental importância para o desenvolvimento da região, pois atende uma parcela significativa de estudantes carentes que residem nesta região.
No âmbito nacional, O ensino jurídico foi fundamental na formação de líderes que nos conduziram a grandes conquistas, tais como; a extinção do tráfico negreiro, independência do Brasil, a implantação de um Estado Democrático de Direito etc. Apesar de inúmeras reformas curriculares terem sido tentadas, o ensino jurídico sempre foi apegado demais ao dogmatismo positivista herdado de Coimbra.
Hodiernamente, o ensino jurídico passa por um período de miséria, resultado da atual política-econômica neoliberal do governo que sacrifica a educação brasileira em todos os níveis para sanar juros impagáveis de uma dívida eterna. Vale ressaltar que essa miséria atinge todos os cursos de universidade públicas do país.
Frente a essa miséria, esbarramos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que durante todo o processo de formação do acadêmico de Direito, senão ajudou, também pouco atrapalhou, manteve-se apática, indiferente às oscilações sociais e às respostas insatisfatórias dadas pelo ensino jurídico. Teoricamente a OAB sempre se preocupou com a qualidade do ensino jurídico nas universidades brasileiras, mas pouco fez na prática até hoje.
Em suas inspeções nos cursos de Direito das universidades públicas, a OAB sempre sai aconselhando o fechamento do curso como fez em Santarém. Cabe analisar o porquê da decisão da entidade. Várias são as críticas levantadas nos bastidores e duramente rebatidas pelos doutores que fazem parte da direção da entidade. Cabe duas colocações.
Primeiro quero salientar que o ensino jurídico já decaiu para a mesma ridicularização do ensino médio. Este, que deveria preparar o estudante para entrar em uma universidade, prepara-o para ingressar em um cursinho, elitizando e funilando ainda mais a entrada na universidade. No mesmo viés, Santarém já possui os cursinhos que preparam os bacharéis para a prova da OAB. Essas instituições educacionais paralelas nascem da inoperância, do descaso e do sucateamento do setor imposto pelo Estado. Seus professores são membros da executiva da OAB de todo o Brasil. Entendem?
Outro ponto a ser debatido é a forma como o chamado exame da OAB é apresentado aos bacharéis recém formados. A prova que deveria ser uma avaliação tem o único e irrestrito objetivo de eliminação. O bacharel não sofre uma avaliação dos conhecimentos que obteve dentro da universidade é simplesmente testado de forma técnica para concorrer no mercado de trabalho com os já advogados que lhe imputam a prova. Ou seja, qual é a lógica? Por mais que seja negada.
A OAB deixou correr a fole a proliferação dos cursos de Direito em todo o país, atendendo ao atual desejo capitalista de mercantilização do ensino superior no Brasil. Isso ocasionou a desqualificação dos bacharéis e o surgimento dos cursinhos "Pré-OAB" que lucram com a falha. Esse cenário leva-nos a pensar que existe um corporativismo que estreita a cada ano a entrada de novos advogados no mercado de trabalho. Isso porque a OAB transfere a causa da desqualificação do aluno formado para a infra-estrutura das universidades. Mas quando olha a realidade de perto aconselha que os cursos sejam fechados. Lembrem que a OAB unificou a data do exame em todo o Brasil para que o estudante não possa fazer mais de uma prova por período. Ou seja, o objetivo é diminuir as chances de aprovação do bacharel e não avaliá-lo.
Em nenhum momento, a OAB se posicionou contra esse sucateamento do ensino jurídico em todo país, que inclusive está sendo petrificado pela atual Reforma Universitária que está no Congresso, e que também não retirou comentário algum da OAB ou algum pedido de modificação pela entidade. Aos advogados só interessa que os cursos de Direito fechem. Significa mais espaço e uma menor competitividade no mercado de trabalho.
Todos sabem da dificuldade que é levar para qualquer lugar do país um curso de medicina. O Conselho da classe não deixa que péssimos cursos sejam criados para depois ter de pedir o seu fechamento. Só um exemplo de como a OAB poderia atuar.
Na prática, a OAB passou a se movimentar somente na década de 90, criando a "Comissão de Ensino Jurídico", com a finalidade de identificar os principais problemas do Ensino Jurídico e as suas possíveis soluções para os impasses encontrados. Mas, consoante o prof. Horácio Wanderlei Rodrigues diz, "pode-se afirmar, sem medo de errar, que desses trabalhos nenhum impacto, ou quase nenhum, têm tido sobre a ciência e o ensino jurídico." Tem o mesmo entendimento o saudoso jurista e advogado Antonio Evaristo de Moraes Filho ao afirmar que: "(...) os resultados práticos de nossas Conferências bianuais são decepcionantes, pois, raramente, damos execução às conclusões votadas e aprovadas. Tudo, em regra, se resume na elaboração das Cartas, sintetizando o pensamento do plenário, e na edição dos volumosos Anais, verdadeiro cemitério de boas intenções".
Atualmente, a Ordem dos Advogados, além de suas atribuições corporativas para a defesa de sua classe e disciplinamento profissional, ainda tem as atribuições, consoante o disposto no artigo 54, XV, da Lei Nº 8906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da OAB), inerentes ao Conselho Federal da Ordem, quais sejam: "(...) colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos, e opinar, previamente, nos pedidos apresentados aos órgãos competentes para criação, reconhecimento ou credenciamento desses cursos." Observa-se, pois, a legitimidade expressamente atribuída ao Conselho Federal da OAB na participação da reestruturação dos cursos jurídicos.
É pacífico que a Ordem dos Advogados tenha que desempenhar um papel de luta pela elevação da qualidade do profissional da advocacia, mas também. e acima de tudo, tem que zelar para que os cursos jurídicos estejam mais próximos das soluções de que a sociedade tanto necessita.
A tecnocracia burocrática que tomou conta da OAB deve ceder lugar à luta e ao apoio que tem de ser dado as faculdades de Direito. A OAB deve se juntar aos Centros Acadêmicos, às coordenações dos cursos e à própria sociedade. Deve mostrar sua revolta contra esse genocídio intelectual e econômico que está sendo praticado contra o ensino jurídico no país. Deve deixar de somente se manifestar quando a policia federal algema advogados corruptos em rede nacional.
*Estudante do 5º ano de Direito da UFPA, duas vezes presidente do Centro Acadêmico do Curso (colaboração de Antonio Armando do Direito da Unemat – Mato Grosso)

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