“Cruéis, desumanas e degradantes”: um retrato das políticas de segurança pública

Por Gustavo Barreto, para a Rede Nacional de Jornalistas Populares — Renajorp, dezembro de 2005

A polícia brasileira é “beligerante” e responsável pela violência nos guetos e favelas do país. A análise é da Anistia Internacional (AI), em comunicado liberado em novembro de 2005. Cita, por exemplo, o atentado de 31 de março de 2005, ocorrido no subúrbio da Baixada Fluminense, quando um grupo de homens, alguns mascarados e encapuzados, atiravam a esmo pelas ruas, algumas vezes parando os carros para liquidar suas vítimas à queima roupa. O estudante de 14 anos Douglas Brasil de Paula estava em um fliperama quando recebeu o tiro que o matou; Elizabeth Soares de Oliveira foi morta quando trabalhava no bar de seu marido; João da Costa Magalhães estava sentado no passeio de sua casa quando os atiradores dispararam contra ele; Rafael da Silva Couto, de dezessete anos, foi abatido a tiros enquanto andava de bicicleta pela Via Dutra. Saldo, até às 11 da noite daquele dia: 29 mortes.
“A Baixada”, explicou à época o coronel da PM ao jornal O Dia, “tem características medievais. A aristocracia local quer proteger os seus enclaves, usando a polícia como seu recurso exclusivo de proteção”. Outras abordagens utilizavam o recurso dos contos infantis, classificando os policiais como “monstros”. Esse tipo de linguagem está longe de dar conta do problema, já que criminaliza (corretamente) alguns PMs, mas nada diz sobre a responsabilidade do Estado. Ou, de forma mais ampla e correta, sobre a estrutura arcaica que o Estado mantém, tanto em termos de formação dos quadros quanto de funcionamento da corporação, ainda sob o estigma da ditadura do regime militar no Brasil (1964-1985).
O fenômeno, lembra a entidade internacional, não é novo nem mesmo isolado. Para que isso seja lembrado, é preciso que uma entidade internacional a diga – e mesmo assim os jornais preferem fazer com que a “verdade esqueça de acontecer”. Para os milhões de brasileiros que vivem nas favelas, a violência é uma parte inevitável de sua vida cotidiana, assim como o silêncio da imprensa acerca de seus problemas reais. “Moramos em um lugar onde os meios de comunicação só chegam para contar os mortos”, diz um cartaz em passeata nesta ano, fazendo notar que a insatisfação, entendem as vítimas, deve ser tanto em relação aos fatos em si como em relação à maneira como os fatos são fabricados.

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