Parlamentares fazem contrabando de R$ 109 milhões

A prática de aproveitar projetos de lei ou MPs para aprovar discretamente propostas que nada têm a ver com o objetivo original do texto é conhecida, no jargão parlamentar, como "contrabando".
Recentemente descobriu-se que cinco deputados emendaram no ano passado medidas provisórias e alteraram o destino de R$ 109 milhões de créditos orçamentários para beneficiar seus redutos eleitorais


Levantamento do Congresso em Foco revela que, no ano passado, R$ 109 milhões em emendas aprovadas na Comissão Mista de Orçamento (CMO) a projetos do Executivo foram desviadas de sua destinação inicial e acabaram beneficiando redutos eleitorais de cinco deputados. Esses recursos estavam previstos para atender a Missão de Paz brasileira no Haiti e socorrer as vítimas de desastres ambientais, dentro do país, nas secas das regiões Norte e Sul, e, fora, no tsunami asiático.

Para atender aos seus interesses políticos, quatro parlamentares da base aliada de Lula e um da oposição incluíram 16 emendas em três medidas provisórias utilizadas pelo governo para reordenar o dinheiro do Orçamento – os chamados créditos extraordinários. Incluídas nas MPs, as sugestões foram acatadas pelos demais congressistas.





Em pelo menos dois casos, o Congresso mudou o mapa das regiões geográficas do país. Em maio, a Comissão de Orçamento aprovou a MP 250/05, que abriu R$ 30 milhões em créditos para o Ministério da Integração Nacional socorrer as vítimas da forte seca que abateu a região Sul em 2004. No entanto, quase metade desse dinheiro foi drenado para Goiás e Minas Gerais por iniciativa de deputados desses dois estados.

De carona na MP, o líder do PL na Câmara, Sandro Mabel (GO), conseguiu beneficiar com quatro emendas os municípios goianos de Faina, Santo Antonio do Descoberto, Novo Gama e São Miguel do Araguaia. Ao todo, R$ 4,1 milhões previstos pela medida provisória da seca foram destinadas à recuperação de áreas degradadas devido às chuvas de janeiro no Centro-Oeste.

"É importante ressaltar que toda documentação onde se pode constatar a real situação do município já foi encaminhada ao Ministério da Integração Nacional – Secretaria Nacional de Defesa Civil", justificou Mabel, nas quatro emendas apresentadas à comissão. A reportagem deixou recado no celular do deputado, mas, até o fechamento da edição, não obteve retorno.

Correligionário de Mabel, o deputado Jaime Martins (MG) foi ainda mais ousado do que o próprio líder: apresentou uma emenda de R$ 10 milhões para realizar obras preventivas no interior de Minas, às margens do Rio São Francisco.

"A emenda (visa) a alocação de recursos financeiros para a execução de obras de drenagem e revitalização de córregos, bem como implantação de sistema de tratamento de esgotos em municípios localizados às margens do Rio São Francisco no Estado de Minas Gerais, a fim de evitar a contaminação de suas águas", afirma o deputado, na justificativa do projeto. O deputado não foi localizado pela reportagem.


Assim como o Sul, o Norte também foi sutilmente preterido pelos parlamentares da comissão orçamentária. Em outubro passado, o governo editou a MP 262/2005, que reservou R$ 30 milhões para que o Ministério da Integração Nacional pudesse socorrer vítimas de estiagem no Amazonas. De acordo com a justificativa da MP, o comprometimento do sistema de transporte hidroviário da região atingiu cerca de 30 dos 61 municípios do estado, causando dificuldades de acesso a alimentos e combustível a uma população estimada em 167 mil pessoas residentes em 914 comunidades isoladas.

Mas o dinheiro previsto para as vítimas da seca na bacia amazônica tomou outra direção. A deputada Rose de Freitas (PMDB-ES) apresentou nove emendas, no valor total de R$ 8,1 milhões, para a realização de obras em cidades capixabas. Em vez de ajudar a região Norte, as emendas beneficiaram as cidades de Afonso Cláudio, Alto Rio Novo, Conceição da Barra, Brejetuba e Boa Esperança e Mantenópolis. O recurso foi destinado à construção de encostas marítimas e reservatórios para represamento da água das chuvas.

Procurada pelo Congresso em Foco, Rose de Freitas disse que apresentou as emendas porque já havia recursos suficientes para a Amazônia, enquanto o Espírito Santo estaria sendo preterido pelo governo federal. "Tem barragem lá que está sendo feita há 12 anos", conta a deputada. "Todo ano, temos problemas decorrente das chuvas."


Rose afirmou que não vê nada demais na prática de inserir artigos sobre assuntos completamente diferentes do objeto inicial da medida provisória. "Tenho direito, como parlamentar, de emendar qualquer projeto em tramitação na Casa", ressaltou. A deputada também negou que a mudança tivesse caráter eleitoreiro ou que tivesse a intenção de tirar recursos destinados à Amazônia. "Muito pelo contrário, eu sou autora de um projeto de lei que transfere o governo federal, uma semana por ano, para a Amazônia", disse.


Editada em março do ano passado, a MP 241/05 liberou R$ 299 milhões para ajudar as vítimas da tragédia do tsunami na Ásia e cobrir os gastos das tropas brasileiras em território haitiano. Por meio de uma sugestão do deputado Eduardo Valverde (PT-RO), o Congresso transferiu R$ 2 milhões dos recursos destinados à Missão de Paz no Haiti para o programa de "Proteção a Defensores dos Direitos Humanos". Na justificativa da emenda, Valverde diz que "a incidência de crimes contra militantes dos Direitos Humanos (...) continua a ocorrer no país e os recursos orçamentários destinados a esta ação são insuficientes para atender todo o território brasileiro".

Na mesma MP, o deputado tucano Capitão Wayne (GO) conseguiu fazer a maior mudança de destinação de recursos em 2005. Graças a uma emenda de Wayne, que é policial militar, R$ 85,5 milhões que ajudariam as vítimas do maremoto asiático foram usados para a compra de 2.350 viaturas policiais nos estados.

A reportagem deixou recado no gabinete de Valverde, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição. Já a assessoria do deputado goiano informou que ele estava em viagem ao interior do estado e não poderia, por isso, atender ao Congresso em Foco.

Comentários

Anônimo disse…
Engraçado sou de Brejetuba e conheço todos esses lugarejos que vc escreveu...
Apesar de "ter" essa verba toda, não to vendo nada de melhoria na minha cidade,nem em outros lugares proximos...
É um caso a se pensar!!!