Carajás, 10 anos de impunidade

Com colaboração do site Adital e a coordenação estadual do MST no Pará.

Ontem, 17 de abril, completaram 10 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, no Estado do Pará. Naquele dia, 3 mil trabalhadores Sem Terra ocuparam a rodovia PA-150 e estavam em caminhada em direção a Marabá para exigir a desapropriação da Fazenda Macaxeira, conhecido latifúndio improdutivo da região.

Eles foram cercados por duas tropas de militares, que abriram fogo para cumprir a ordem do Governador do Pará na época, Almir Gabriel (PSDB), de desobstruir a pista a qualquer custo. Os policiais saíram dos quartéis de Parauapebas e Marabá sem identificação na farda e no armamento e avisaram os médicos e ambulâncias para ficarem de plantão.

As declarações dos sobreviventes revelam cenas da tragédia. "Eles chegaram dos dois lados e nós ficamos no meio. Não tínhamos condição de fazer nada. Um monte de policiais armados com fuzil e metralhadoras!", conta Avelino Germiniano, 51 anos. "Quando os ônibus de Marabá chegaram com os policiais, já desceram e deram uma rajada para cima. Achamos que era só para nos intimidar. Começamos a gritar palavras de ordem. Tinha um companheiro surdo-mudo, ele não entendeu nada e foi em direção aos policiais, o finado Amâncio. Ele foi o primeiro que caiu", diz Miguel Pontes da Silva, 42 anos.



A violência sem limites deixou oficialmente 19 trabalhadores mortos. Outros três morreram depois em conseqüência das seqüelas. Até hoje, não se tem certeza se o número corresponde à realidade. "Eu acho que morreram mais de 100 pessoas. Eu queria saber sobre as crianças e as mulheres que estavam lá. Nenhuma apareceu, só os homens. Muita gente diz que viu um caminhão e um carro pequeno, cobertos de lonas pretas e sangue, descendo para o sentido de Xinguara", lembra José Carlos Agarito, de 27 anos.

Agarito e os demais sobreviventes vivem hoje no assentamento 17 de abril: Mártires de Carajás. Para o MST, só o sacrifício humano do Massacre de Eldorado dos Carajás fez com que o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) reconhecesse a improdutividade da Fazenda Macaxeira. Entre os assentados estão 70 pessoas que ficaram gravemente feridas. Até hoje, elas recebem assistência médica precária e ainda não foram indenizadas. Junto com as 13 viúvas, elas aguardam o resultado do processo na Justiça.

Três julgamentos do Massacre foram realizados. Nenhum dos 142 soldados envolvidos no caso foi punido. Os dois comandantes responsáveis pela operação, coronel Mário Colares Pantoja e major José Maria Pereira de Oliveira, apesar de condenados a 264 anos pelo júri popular, aguardam em liberdade o julgamento de recursos no Superior Tribunal de Justiça. Segundo o MST, nesse meio tempo, policiais envolvidos também participaram do assassinato de dois líderes do MST na região, Fusquinha e Doutor, junto com fazendeiros de Parauapebas. O processo está parado até agora.



O Movimento denuncia que, apenas no ano passado, outras 19 pessoas foram assassinadas no Pará. "As causas dessa situação todos nós sabemos. De um lado, a manutenção de uma estrutura injusta da propriedade da terra, que faz com que apenas 26 mil grandes proprietários - que representam menos de 1% do universo de 5 milhões de agricultores - sejam donos de 46% de todas as terras do Brasil. De outro lado, o Estado, no que representa dos três poderes, gerido pelos interesses econômico da classe latifundiária, agora cada vez mais mancomunada com as transnacionais e com o capital estrangeiro. Com ele, a manutenção de um modelo excludente, neoliberal, que impede um projeto de desenvolvimento nacional a favor do povo, onde teria vez uma verdadeira Reforma Agrária", declara a organização.

O MST exige do governo federal que honre sua própria palavra e assinatura, que cumpra com os acordos que faz com os movimentos camponeses. "Com a força da comunidade do Assentamento 17 de abril, que abriga 690 famílias em 18 mil hectares da ex-Fazenda Macaxeira, convocamos a sociedade civil a se juntar a nós em atos, marchas e protestos que acontecerão em 23 estados do país"

"Levei uma pancada no pescoço e senti o sangue escorrendo nas minhas costas. No momento não percebi se era por causa da pancada ou se foi bala. Quando cheguei no barraco, meus filhos estavam agoniados. Coloquei eles nos braços e ainda carreguei mais dois filhos alheios. Cada dia que eu relembro aquilo parece que estou vivendo tudo de novo", relembra Dalgisa Dias de Sousa, 50 anos, sobrevivente do Massacre de Eldorado dos Carajás.

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