O Caixa D’água

Seu nome de batismo era Almir. Era um caboclo de mais ou menos um metro e sessenta, atarracado, muito forte, e de uma destreza singular quando se metia em brigas, o que era muito comum em sua vida, especialmente quando se encontrava embriagado.

Era por assim dizer um arruaceiro. Nunca brigava com um só adversário, mas no mínimo com dois até três. Seu prazer consistia em dar pancadas nos desafetos, e durante sua vida adulta não fez outra coisa a não ser brigar. Raro era o dia em que não arranjasse uma arruaça nos bares em que frequentava. Conheci-o já quase velho, mas ainda, como sempre, nunca costumava levar desaforo para casa. Tinha as marcas no corpo e nas mãos; na mão direita tinha dois dedos aleijados como resultado de uma de suas várias brigas na qual segurou a lâmina de uma faca endereçada a sua barriga.

Certa vez, numa noite, três elementos combinaram entre si para dar-lhe uma grande surra. E com a promessa de tomarem um grande porre, o levaram para um barco ancorado na frente da cidade. Lá se foi o Caixa D’água todo faceiro. De fato, a cachaça correu solta até que um deles provocou o convidado que não se fez de rogado. Correu a pancadaria por quase duas horas até que o jogaram no rio, e deram-no como morto.

O que não contavam é que no dia seguinte lá estava o Caixa D’água bem lépido no bar tomando umas e outras. E assim a fama do arruaceiro já havia transposto as fronteiras da cidade. Quase todos queriam ser amigos dele, e para ser seu amigo não precisava muita coisa: bastava pagar algumas doses de sua bebida favorita e o cristão já era amigo. Já próximo ao seu final de vida, seu costume favorito era o de frequentar bailes nos arredores da cidade. Sempre às sextas-feiras, ou mesmo aos sábados, lá estava ele deglutindo algumas doses, geralmente, pago pelos conhecidos e amigos.

Foi numa dessas festas em que ele se encontrava bem calmo, numa mesa de canto, no quase escuro salão, quando de repente um rapaz de mais ou menos vinte e dois anos, embriagado, sacou de uma faca e riscando o soalho do salão gritou para que todos pudessem ouvir: “Aqui não tem macho para me enfrentar; só tem puto! Se por acaso aparecer um homem de verdade, que venha, pois estou louco para fazer o serviço nesse atrevido. Quero enfiar esta faca nas tripas do canalha e ver ele gemer até cair no chão”. Silêncio absoluto! Repetiu o insulto: “Não disse que aqui só tem mulherzinha? E da pior espécie, pois até agora ninguém se manifestou. Venha alguém que estou aguardando. Nada mesmo?” Foi quando o Caixa D’água, que ouvira todos os desaforos, se levantou de sua mesa e se aproximou do valentão. Este olhou para os cabelos brancos do Caixa e não o conhecendo, pessoalmente, a não ser de fama, retrucou: “Ora, chamo um homem para brigar e veja quem vem lá; um velho! Na tem jeito mesmo, aqui não tem homem mesmo”.

O caixa ficou a uns três metros do cara e disse: “Já que ninguém aceitou o desafio, me apresento. Sou o Caixa D’água” e vim para te dar porrada”. Quando o valentão ouviu o nome do velho, se apavorou: “Seu Caixa, não falei com o senhor, estou falando com esses frouxos que não têm coragem para me enfrentar. Nada contra o senhor. Juro por Deus que jamais ia insultar sua pessoa. Me desculpe se o senhor ouviu esses insultos, que nunca foram destinados ao senhor. Perdão, seu Caixa, o senhor é a última pessoa aqui presente que eu ia ofender. Almir ficou um tanto constrangido, pois o silêncio era total, já que todos os presentes esperavam que brigassem logo para que aquele valentão recebesse o tratamento devido. Caixa D’água segurou o colarinho do rapaz e lhe disse: “Olha, meu filho, já fui muito valente, dez vezes mais do que tu e já dei muita porrada e levei outras tantas. Sou conhecido na cidade como o maior valente que aqui já apareceu e nunca ganhei nada com isso”. Tirou a camisa e mostrou o corpo cheio de cicatrizes e os dedos aleijados e continuou: “Ganhei isto que estás vendo. Tudo isto é o resultado de uma valentia besta que não leva a lugar nenhum. Queres saber mais? Pois eu te digo que ontem, numa briga, apanhei de uma mulher!”.


*Estemir Vilhena da Silva É professor e escritor. Vai publicar em breve o livro “Roteiros de uma vida”.

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