Lúcio Flávio Pinto
O milionário americano Daniel Keith tinha 70 anos quando
começou, em 1967, uma aventura equiparável à do seu compatriota, Henry Ford,
empreendida 40 anos antes no vale do Tapajós. Ford tentou adensar pés de
seringueira na mata nativa amazônica, na qual essa espécie teve origem, para
que a produção se tornasse comercialmente rentável. Mas fracassou.
Ludwig iria substituir as árvores da Amazônia por uma
espécie asiática quase desconhecida. A característica da gmelina arbórea era
crescer mais rápido e dar muito mais celulose do que as fontes tradicionais
dessa fibra, o pinho e o eucalipto.
Ludwig montou um exército de homens e máquinas jamais visto
na região para colocar abaixo milhares e milhares de árvores, à média de 10/12
mil hectares por ano, empregando em média oito mil peões. Cem mil hectares da
típica floresta tropical, com a maior diversidade de espécies vegetais do
planeta, abrigariam uma floresta plantada de uma única espécie – e exótica. A
gmelina, até então nunca usada para a produção de celulose, iria servir ao
“pulo do gato” de Ludwig sobre os concorrentes, surpreendendo-os e os vencendo.
O pulo deu tão errado quanto o de Ford. O solo fraco não foi
uma boa base para o desenvolvimento da árvore asiática, exigente de nutrientes.
Nas manchas de terra fértil seria um desperdício plantá-la. A homogeneização de
uma floresta tão intrincada levou a efeitos nefastos. A gmelina foi arrancada,
a enorme custo, e substituída pelo eucalipto.
No auge do desmatamento do Projeto Jari, que o milionário
imaginava alcançar 3,6 milhões de hectares entre o Pará e o Amapá (as terras
legalizáveis somavam “apenas” 10% dessa pretensão), os peões tinham ao seu
dispor 700 motosserras no almoxarifado, estoque renovado anualmente, o maior da
América do Sul.
Quando entravam na mata, era uma barulheira infernal.
Acidentes se repetiam porque, ensurdecidos pelo barulho, alguns trabalhadores
não escutavam o barulho das árvores caindo. Vários morreram esmagados. Diz a
tradição oral que um por cada mil hectares desmatados.
Na Amazônia de hoje essa cena, de verdadeira guerra contra a
floresta, não se repete mais. No entanto, continua a prática de queimar ou
derrubar floresta virgem para abrir espaço a outros tipos de cultivo do solo,
como a pastagem para o gado e a soja extensiva. É a guerrilha antifloresta.
Uma simples consulta a qualquer publicação decente sobre a
Amazônia revelará ao interessado que a árvore em pé vale muito mais. Podia
render incomparavelmente mais do que a pecuária e a agricultura se o pioneiro,
aquele que mais desmata, soubesse ou pudesse explorar a floresta, praticar a
silvicultura ou ter acesso a outras formas de utilização do seu potencial. Como
não tem, faz o que está acostumado a fazer: trocar a cobertura vegetal por gado
e plantas menores, culturas de ciclo curto.
A cena de um desmatamento é para horrorizar e revoltar
aquele que conhece a Amazônia. Era para não ser mais repetida. O vazio aberto
na região pelos desmatadores na antiga mata densa (e em outras formas de
vegetação) é três vezes maior do que o Estado de São Paulo, reduto de um terço
da riqueza nacional, o PIB (Produto Interno Bruto). É mais do que suficiente: é
um exagero, uma ofensa à inteligência humana, um escárnio, uma violação à
soberania nacional.
Quem quiser ver já pode acompanhar a queda de uma árvore
através de imagens reais. Há algumas delas no excelente clip Earth (Terra), de
Michael Jackson. Mas agora há uma imagem ainda melhor: a queda de uma enorme
árvore é registrada por uma microcâmera instalada em seu tronco, que a
acompanha até o solo.
Só alguém do reino mineral não se tocará por essa imagem,
uma das muitas que levam ao deslumbramento no documentário Amazônia eterna, do
carioca Belisário Franca, apresentado pela primeira vez na Rio + 20.
Os desmatadores, é claro, não se sensibilizam. Em setembro
eles colocaram abaixo 431 quilômetros quadrados (ou 43 mil hectares, quatro
vezes mais do que a média insensata das derrubadas anuais no reino de
Mr.Ludwig) de floresta nativa. Foi 154% a mais do que no mesmo mês de 2011.
Para o poeta T. S. Elliot, abril é o pior dos meses. Para a “terra arrasada” da
Amazônia em 2012, foi setembro, divisor entre o verão e o inverno.
Setembro já devia ser de desmatamento declinante. Mas a
estiagem forte e o debate passional sobre o novo Código Florestal, que pretendia
impor mais limites à devastação amazônica, estimularam apetites especulativos e
mercantis, liberaram os piores instintos, deixaram a inteligência do lado de
fora dos limites amazônicos.
Os índices, divulgados pelo Imazon, instituto de pesquisas com
sede em Belém, desta vez permitem ver sem qualquer sofisma o núcleo da
destruição: 68% dos desmatamentos aconteceram no Pará, enquanto Mato Grosso, em
segundo lugar, sofreu “apenas” 14%.
Os cinco municípios mais desmatados estão todos no Pará, que
abriga oito dos 10 primeiros em destruição florestal na Amazônia. O alvo
principal foi Altamira, onde 126 km2 foram destruídos (em Cumaru do Norte, no
2º lugar, foram 28,3 km2). Três dos oito municípios mais desmatados no Pará
estão na área de influência da hidrelétrica de Belo Monte, prevista para ser a
terceira maior do mundo.
Quem possui olhos para ver sabe que essa destruição tão bem
localizada e concentrada é produto das ondas de indução que escapam às
estatísticas quantitativas, à versão oficial e ao discurso dos que agem como
querem, ignorando a particularidade do território sobre o qual intervêm. Mesmo
que ele seja de dimensão amazônica.
Pobre Amazônia. Até quando?
Fonte: O Estado do Tapajós
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