Tucuxi brinca com a menina cabocla. Foto: Thiago Gomes |
Em uma noite iluminada pela lua cheia e repleta de sedução,
ritmo e cores, o Festival do Çairé chegou ao ápice na noite deste sábado (17)
com o folclórico confronto entre os botos Tucuxi e Cor de Rosa. O duelo ocorreu
diante de suas torcidas, no çairódromo Lago dos Botos, em Alter do Chão,
distrito de Santarém, no oeste paraense. O embate entre os botos, que começou
em 1997, representa a face profana da festividade religiosa que tem mais de
três séculos de existência.
O Tucuxi foi o primeiro a se apresentar para o público de
cerca de 15 mil pessoas. Tentando o bicampeonato, a agremiação apresentou o
tema ‘’Festa das Cores’’, enquanto o Cor de Rosa defendeu o tema ‘’Encantos de
Santarém’’. Além do confronto dentro da quadra, as torcidas fizeram um
espetáculo à parte nas arquibancadas com velas, fitas e bandeiras em um clima
de rivalidade acirrada.
A apresentação do atual campeão começou com a encenação do
ritual indígena em que o curandeiro emanou proteção à floresta. Ato após ato, o
Tucuxi apresentou coreografias, alegorias e efeitos especiais que homenageavam
os processos manufaturados, belezas locais e contos folclóricos. O carimbó deu
o tom da encenação.
Após a apresentação do Tucuxi, o Cor de Rosa dominou o Lago
dos Botos. O início foi com a entrada das alegorias da Cobra Grande pelo chão e
com o Uirapuru pelo céu, que, por um guindaste posicionado ao lado da arena,
trouxe o cantador da agremiação. A encenação prosseguiu com a representação do
ritual indígena Dabacuri, que pede a proteção de Tupã, com a chegada das
expedições portuguesas a Santarém e uma performance de carimboleiros e
carimboleiras.
O ponto máximo das duas apresentações ocorreu quando o boto
se transformou em homem para seduzir e engravidar as caboclas em noite de luar.
Tradição - ‘’A sensação de representar essa lenda é
indescritível. Manter viva a cultura sobre nosso folclore é um dever de todos
nós. Vou sentir saudade dessa emoção’’, disse Alex de Oliveira, 42, que viveu a
versão humana do boto pela última vez após 15 anos representando a personagem.
‘’Fico feliz em ver que há uma nova geração sendo formada para continuar o que
construímos’’, completou, afirmando que a lenda do boto que seduz as caboclas
continua viva. ‘’Ouço histórias de mulheres que viram o boto voltar para o rio
depois de seduzir a mulher escolhida. Há quem o espere na noite de lua cheia. O
misticismo do boto vive, mas garanto que não sou um’’, brincou.
Na torcida do Tucuxi estavam as irmãs Thaís Ferreira Sousa
Aguiar e Laís Ferreira Sousa Aguiar. Pela quinta vez seguida Thaís participou
do confronto entre os botos, enquanto a irmã Laís sentia a emoção pela primeira
vez. ‘’Minha paixão pelo Tucuxi foi à primeira vista. A encenação me envolve.
Eu me sinto parte da lenda ano após ano’’, assinalou. ‘’A Thaís me convenceu a
vir dizendo que eu viria algo inesquecível. Resolvi aceitar e não me arrependi.
É tocante ver o envolvimento de todos com a cultura dessa forma apaixonada’’,
atestou.
Enquanto o representante da forma humana do boto Tucuxi se
despedia, o do Cor de Rosa comemorava o que pode se chamar o início de uma
história. João Pedro Dias, 23, dá vida ao boto homem há cinco anos. ‘’Estou
começando. Tenho o privilégio de encenar o Cor de Rosa. Eu, que sou filho de
Alter do Chão, me sinto orgulhoso por desempenhar esse papel’’, frisou.
A paixão pelo Çairé é atemporal. Enquanto as jovens irmãs
torciam pelo Tucuxi, no outro lado da arena, Jacira Teixeira, 62, vibrava pelo
boto Cor de Rosa. Desde que viu a encenação profana pela primeira vez, em 1997,
ela sempre foi ao Çairé. ‘’Amei ver como a lenda é retratada dentro do tema. O
espetáculo nunca se repete. A sensação é de sempre estar vendo pela primeira
vez, assim como os mais jovens que nunca tinham vindo’’, comparou, enquanto dançava
com as irmãs que a acompanharam.
O Festival do Çairé continua até segunda-feira (19), quando
haverá, pela manhã, a derrubada dos mastros que foram erguidos no início do
evento, na última quinta (15). À tarde haverá a apuração do resultado da
disputa entre Tucuxi e Cor de Rosa.
Os quesitos avaliados pelos jurados são: Apresentador,
Cantador, Rainha do Sairé, Cabocla Borari, Curandeiro, Rainha do Artesanato,
Boto Homem Encantador, Boto Animal, Rainha do Lago Verde, Carimbó, Organização
do Conjunto Folclórico, Alegorias, Letra, Música, Ritual, Torcida, Evolução e
Sedução. Os jurados emitem notas de sete a dez pontos cada um.
Por Sérgio Moraes
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