Por José Maria Piteira
A realização do Fórum de Secretários de Educação do Pará, semana passada, no Hangar, deixou à mostra que algumas das "relações de colaboração" entre a Seduc e os municípios são, algumas delas, onerosas e injustas demais a estes, principalmente àqueles que têm arrecadação própria de dimensão liliputiana.
Em alguns casos, as chamadas "parcerias" são lesivas aos municípios, por incluírem cláusulas leoninas, como é o caso dos convênios firmados para a implantação do Sistema Modular de Ensino (Some). Os municípios aceitam os convênios numa tentativa desesperada, mas solidária, de não ver tantos jovens encerrarem sua carreira escolar com a conclusão do Ensino Fundamental, de responsabilidade dos municípios.
A responsabilidade direta pelo Ensino Médio é dos governos estaduais, mas a oferta deste, na maioria dos municípios paraenses, não vai além das sedes dos municípios. Para chegar às principais comunidades rurais, só com a "colaboração" ou "parcerias" com as prefeituras, através do Some, uma oferta precarizada de Ensino Médio. É quando começa a sangria nas já parcas finanças municipais.
Como, via de regra, as demandas são apresentadas às prefeituras, mesmo onde existe representação da Secretaria de Estado de Educação (Seduc) - as chamadas URE's (Unidades Regionais de Ensino) -, estas são encaminhadas à Seduc, que, de imediato, como condição primeira para a implantação de turmas do Some, exige que as prefeituras ofertem salas de aula de suas escolas municipais para o atendimento aos alunos do Ensino Médio.
Essa exigência representa, na prática, que alunos do Ensino Fundamental deixem suas salas de aula e passem a estudar em locais os mais impróprios possíveis, como sedes de clubes esportivos, barracões comunitários, igrejas, ou mesmo sob a sombra de mangueiras e sapupireiras. Na vila da Canp, em Monte Alegre, alguns anos atrás, alunos foram deslocados do conforto de suas salas de aula e obrigados a estudar dentro de um barracão do Incra, coberto com zinco, sob calor insuportável. Em outros municípios paraenses, em todas as regiões do Estado, a realidade não é assemelhada. Uma coisa absurda!
Mas o absurdo não se encerra aí. As prefeituras ainda são obrigados a fornecer transporte aos alunos e professores do Ensino Médio, residência aos professores deslocados às comunidades onde funcionam turmas do Some, mobiliário a estas residências...
Na última minuta de convênio proposta pela Seduc aos municípios, ela tenta impor uma cláusula que obrigaria as prefeituras a fornecer sofás, geladeiras, camas, fogões e botijas de gás e televisões às residências dos professores do Some, e ainda o pagamento de luz elétrica, além de uma servente para limpar a casa e preparar os alimentos.
Essas são as condições exigidas pela Seduc para que os municípios possam ter a oferta de um ensino público que é de responsabilidade direta do governo do Estado.
Também em Monte Alegre, onde a despesa mensal com transporte escolar, hoje, é de R$ 293,8 mil - portanto, quase R$ 3 milhões ao ano -, a prefeitura paga 33 ônibus para o transporte conjunto de alunos próprios e do Ensino Médio. Para transportar professores do Ensino Médio a comunidades rurais, o custo mensal é de R$ 13,6 mil.
Nos meses de abril e maio, o MEC repassou apenas R$ 128 mil ao município, destinados ao transporte escolar. A Seduc, em abril, repassou míseros R$ 51,6 mil. Essa realidade é ainda mais cruel e injusta nos municípios mais pobres. E a Seduc ainda quer casa, cama, geladeira, televisão, fogão, servente...
Já é hora de os prefeitos municipais chamarem a Seduc para uma nova discussão sobre o assunto e tentar uma pactuação que seja menos leonina - draconiana, mesmo - aos municípios. Para evitar a fragilidade de negociações individuais, o melhor caminho para isso seria, com certeza, através das associações de municípios, sob coordenação da Federação das Associações de Municípios do Pará (Famep). Que tal a própria Assembléia Legislativa do Estado tomar a iniciativa, em solidariedade aos municípios, e chamar os governos estadual e federal para esse debate?
Com certeza, os prefeitos não se furtam a repartir responsabilidades - ainda que estas não sejam dos municípios - e assumir alguns custos com a implantação do Ensino Médio regular ou modular, mas não nas condições atuais.
Merenda escolar do ensino médio representa mais ônus
E quando se imaginava que o acréscimo de novos custos aos municípios pararia por aí, eis que chega agora a merenda aos alunos do Ensino Médio - um pleito antigo da comunidade escolar, uma conquista que se alcança, mas que representa, mais uma vez, novo ônus aos municípios.
O recurso começou a cair na conta da Seduc? Não, das prefeituras. O valor é de R$ 0,22 (vinte e dois centavos) per capita/dia. Ontem, no último dia do Fórum de Secretários de Educação, no Hangar, a Seduc anunciou um acréscimo de mais R$ 0,10 (dez centavos). Ou seja, o valor per capita passa a R$ 0,32 ao dia. E só! E o município que cuide de completar o valor necessário para alimentar os alunos - afinal, os prefeitos e o povo que acompanha o Círio de Nazaré sabem que é impossível fornecer alimentação diária de qualidade a um estudante com apenas R$ 0,32. E que os municípios cuidem de contratar mais merendeiras, mais frízeres, panelas, mais botijas de gás, mais pratos, colheres e copos.
É fácil repassar aos municípios responsabilidades que não são legalmente suas. Repassar as condições necessárias para que esses benefícios cheguem à população, isso é difícil, muito difícil, aos governos federal e estadual.
PS: Cena muito provável nas próximas semanas: alunos do Ensino Médio exigindo merenda escolar dos prefeitos municipais, talvez em manifestações públicas, depois de saberem que o MEC já repassou aos municípios o dinheiro para isso. Às vésperas de uma nova eleição, o tema vai certamente parar nos palanques. (J.M.P.)
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