*Estemir Vilhena da Silva
Nesta data, faço-te mais uma visita para saber como estás. E pelo que vejo, e pelo teu aspecto, parece-me que não andas muito bem. Não gosto desse teu falso progresso, dessa tua população crescente, que muito contribui para a tua degradação. Sou, ainda, um amante antigo que guarda consigo todas as lembranças passadas. Amo muito mais o teu passado. Amo tuas lindas praias, o teu mercado antigo, a tua usina que fazia soar um apito todas às dezoito horas; e o teu comércio. Onde andam a “Curiboca”, “A Violeta”, “A Primavera”, “A Graciosa”, “As Casas Pernambucanas”, enfim, tantas outras onde tínhamos amigos e muito gosto de comprar? Vejo apenas o “Bar Mascote”, mas muito diferente do velho Mascote, no qual íamos às tardes, ou manhãs de domingo, para apreciar a tua grande freguesia. Ainda guardo uma velha foto junto com a moça que hoje é minha esposa. Onde está a praia que acompanhava toda a tua orla, na qual, quando criança, pescava charuto num litro branco, sem fundo? Onde está tudo isso? O que é feito do teu caiszinho, que quando o teu rio estava soberbo pulávamos na água brincando de “matar”?
E daquela faixa de praia em frente à Igreja Matriz, onde pelas tardes de verão se fazia as mais sensacionais “peladas” de então? Onde está tudo isso? Vera Paz, Maria José, Irurá, onde estão vocês? E o velho Estádio Municipal, o que foi feito dele? E o Rai-Fran dos Gersons, dos Otávios, dos Noronhas, dos Tidocas, dos Cecebutas, dos Balões, dos Búfalos, dos Manuel Luís, enfim, onde estão todas essas figuras que faziam a diversão da cidade aos domingos? Um grande clube, bem administrado, transpõe séculos. Por que mataram o São Francisco? Quem foi o autor intelectual desse hediondo crime? E os aficionados, o que fizeram para impedir a morte daquele glorioso clube? Enfim, onde está o teu futebol, que sempre te representou muito bem? E as tuas praias? O que foi feito delas? Parece que elas estão apenas nas canções que o Isoca e Dororó imortalizaram. Fora isto, nada mais resta. Até a própria festa da tua Padroeira parece, ano a ano, mais fraca. E o teu carnaval, o que foi feito dele? Meu querido Bendelaque, dono do bloco “cri-cri” deve, por certo, ter sido recebido por Deus com uma memorável batucada. E o teu gracioso rio, onde anda este amado rio azul-esverdeado, orgulho da Pérola do Tapajós, que é como és conhecida? Até o teu rio foi ameaçado de morte. Lembras? Nas belas águas, onde os navios mercantes antigamente abasteciam seus tonéis esteve, por um tempo, impregnado de mercúrio. Creio que ainda tens nesse teu companheiro inseparável um convalescente. Mas deixa-me conversar um pouco com ele. Resiste, meu bravo e querido rio, resiste, pois em tuas águas serão depositadas as minhas cinzas, como preito de homenagem que te presto no fim dos meus dias. Foste o rio da minha infância e também da minha adolescência; e muito ajudaste a mitigar a minha sede e o meu calor; és, agora, o rio do homem feito que nunca te esqueceu e nem desta bela terra que emolduras com o teu traçado sinuoso.
Querida cidade, hoje não tens mais as tuas lindas praias, não tens mais o velho mercado, não tens mais a velha usina, não tens mais os jogos domingueiros em que se disputava com garra e amor às cores defendidas; enfim, não tens mais o futebol aguerrido que teu povo antigo soube muito bem cultivar. Está quase tudo acabado; e nós, como parte integrante de tua história, dia-a-dia também vemos desaparecer alguns dos nossos amigos; e dentro em breve, por certo, desaparecerão os demais. Mas a saudade é grande, é muito grande! Parece que tudo recua em tua vida, ou é esta saudade do que ontem foste e hoje não mais és? Ano a ano estarei aqui, bebendo o cálice de tua seiva, ou do que restou dela, e te prometo, querido pedaço do meu coração, estar aqui para configurar este amor mais perto de ti que nem a morte há de nos separar.
*Estemir Vilhena da Silva, santareno, é professor e escritor. Vai publicar o livro “Roteiros de uma vida”. Uma autobiografia independente. Publicado originalmente no Jornal de Santarém e Baixo Amazonas.
Nesta data, faço-te mais uma visita para saber como estás. E pelo que vejo, e pelo teu aspecto, parece-me que não andas muito bem. Não gosto desse teu falso progresso, dessa tua população crescente, que muito contribui para a tua degradação. Sou, ainda, um amante antigo que guarda consigo todas as lembranças passadas. Amo muito mais o teu passado. Amo tuas lindas praias, o teu mercado antigo, a tua usina que fazia soar um apito todas às dezoito horas; e o teu comércio. Onde andam a “Curiboca”, “A Violeta”, “A Primavera”, “A Graciosa”, “As Casas Pernambucanas”, enfim, tantas outras onde tínhamos amigos e muito gosto de comprar? Vejo apenas o “Bar Mascote”, mas muito diferente do velho Mascote, no qual íamos às tardes, ou manhãs de domingo, para apreciar a tua grande freguesia. Ainda guardo uma velha foto junto com a moça que hoje é minha esposa. Onde está a praia que acompanhava toda a tua orla, na qual, quando criança, pescava charuto num litro branco, sem fundo? Onde está tudo isso? O que é feito do teu caiszinho, que quando o teu rio estava soberbo pulávamos na água brincando de “matar”?
E daquela faixa de praia em frente à Igreja Matriz, onde pelas tardes de verão se fazia as mais sensacionais “peladas” de então? Onde está tudo isso? Vera Paz, Maria José, Irurá, onde estão vocês? E o velho Estádio Municipal, o que foi feito dele? E o Rai-Fran dos Gersons, dos Otávios, dos Noronhas, dos Tidocas, dos Cecebutas, dos Balões, dos Búfalos, dos Manuel Luís, enfim, onde estão todas essas figuras que faziam a diversão da cidade aos domingos? Um grande clube, bem administrado, transpõe séculos. Por que mataram o São Francisco? Quem foi o autor intelectual desse hediondo crime? E os aficionados, o que fizeram para impedir a morte daquele glorioso clube? Enfim, onde está o teu futebol, que sempre te representou muito bem? E as tuas praias? O que foi feito delas? Parece que elas estão apenas nas canções que o Isoca e Dororó imortalizaram. Fora isto, nada mais resta. Até a própria festa da tua Padroeira parece, ano a ano, mais fraca. E o teu carnaval, o que foi feito dele? Meu querido Bendelaque, dono do bloco “cri-cri” deve, por certo, ter sido recebido por Deus com uma memorável batucada. E o teu gracioso rio, onde anda este amado rio azul-esverdeado, orgulho da Pérola do Tapajós, que é como és conhecida? Até o teu rio foi ameaçado de morte. Lembras? Nas belas águas, onde os navios mercantes antigamente abasteciam seus tonéis esteve, por um tempo, impregnado de mercúrio. Creio que ainda tens nesse teu companheiro inseparável um convalescente. Mas deixa-me conversar um pouco com ele. Resiste, meu bravo e querido rio, resiste, pois em tuas águas serão depositadas as minhas cinzas, como preito de homenagem que te presto no fim dos meus dias. Foste o rio da minha infância e também da minha adolescência; e muito ajudaste a mitigar a minha sede e o meu calor; és, agora, o rio do homem feito que nunca te esqueceu e nem desta bela terra que emolduras com o teu traçado sinuoso.
Querida cidade, hoje não tens mais as tuas lindas praias, não tens mais o velho mercado, não tens mais a velha usina, não tens mais os jogos domingueiros em que se disputava com garra e amor às cores defendidas; enfim, não tens mais o futebol aguerrido que teu povo antigo soube muito bem cultivar. Está quase tudo acabado; e nós, como parte integrante de tua história, dia-a-dia também vemos desaparecer alguns dos nossos amigos; e dentro em breve, por certo, desaparecerão os demais. Mas a saudade é grande, é muito grande! Parece que tudo recua em tua vida, ou é esta saudade do que ontem foste e hoje não mais és? Ano a ano estarei aqui, bebendo o cálice de tua seiva, ou do que restou dela, e te prometo, querido pedaço do meu coração, estar aqui para configurar este amor mais perto de ti que nem a morte há de nos separar.
*Estemir Vilhena da Silva, santareno, é professor e escritor. Vai publicar o livro “Roteiros de uma vida”. Uma autobiografia independente. Publicado originalmente no Jornal de Santarém e Baixo Amazonas.
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