A floresta vista da torre de pesquisa ATTO Foto: Herton Escobar |
Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) durante
25 anos, considerado um dos maiores especialistas do país em mudanças
climáticas e monitoramento da Amazônia, Nobre será um dos palestrantes do
próximo USP Talks, que acontece na quarta-feira, 25 de outubro. O evento vai
discutir modelos de desenvolvimento para a Amazônia, incluindo o papel do
agronegócio, da mineração, da geração de energia e outras atividades econômicas
nesse processo.
Nobre defende que a Amazônia seja base para o desenvolvimento de uma
nova “economia tropical”, baseada em ciência, tecnologia e inovação aplicadas
aos “ativos biológicos” naturais da floresta — como o açaí. Leia abaixo a
entrevista que ele concedeu ao USP Talks.
O cientista Carlos Nobre. Foto: Tore Marklund |
A Amazônia ocupa mais de 50% do
território e abriga 12% da população brasileira, mas contribui com menos de 10%
do PIB nacional. Muitos ainda vêem a floresta como algo “improdutivo”. Dito
isso, qual é o custo-benefício para o Brasil de preservar a Amazônia?
O potencial dos ativos biológicos da Amazônia para a bioeconomia do
futuro é incomensurável, se soubermos como utilizar ciência e tecnologia para
trazer à tona inúmeras aplicações da biodiversidade. Aliás, um potencial
econômico muito maior do que a economia primária de commodities agrícolas,
minerais e energia. Se alguém tem dúvidas, veja o exemplo do açaí. Hoje, vale
quase 2 bilhões de dólares para a economia da Amazônia e muito mais para a
economia nacional. Este exemplo pode ser multiplicado por 20 ou mais. O que
sempre nos faltou foi imaginação para criar um modelo tropical de
desenvolvimento. Acriticamente, sempre copiamos modelos exógenos e temos dificuldades
históricas em inovações transformadoras da economia.
Quanto da Amazônia já foi
desmatada e quais as consequências disso para o Brasil e para o planeta?
Cerca de 20% da área da floresta amazônica já foi desmatada e uma área
muito grande encontra-se em avançado estado de degradação. Uma série de estudos
indica um risco de mais de 50% de a floresta tornar-se uma savana empobrecida
se excedermos alguns limites de desmatamento, mudanças climáticas e aumento de
incêndios florestais. Por exemplo, um aumento de 4 graus da temperatura e
desmatamentos acima de 30% da área de floresta podem se combinar e levar à
savanização. Isso significa também uma enorme perda do carbono estocado na
floresta, que seria emitido para a atmosfera, acelerando o aquecimento global.
Qual é a opinião do senhor sobre
a polêmica da RENCA? Existe espaço para mineração, agropecuária e outras
atividades industriais na Amazônia, ou o senhor defende uma política de
“desmatamento zero”?
Em princípio, é possível ter desmatamento zero e produção agrícola ou
mineração. A questão é que a grande infraestrutura de energia, estradas e
outras intervenções necessárias para apoiar essa economia primária gera um
desmatamento contínuo. Igualmente importante, quanto mais lucrativas forem
estas atividades, mais capital atraem para expandi-las, no conhecido Paradoxo
de Jevons. A reação à tentativa de exploração mineral na Amazônia, sem um
debate amplo com a sociedade, mostra que há alguma réstia de energia
democrática no país. Acima de 90% da população brasileira é contra atividades
na Amazônia que levem ao desmatamento. Fôssemos uma democracia de verdade, já
teríamos buscado outras alternativas sustentáveis para o país e para a
Amazônia.
Matéria e Foto: Herton Escobar/Estadão
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